sábado, 22 de janeiro de 2011

Fichamento de A Dialética do Exterior e do Interior - BACHELARD, Gaston, por Aline Negra Silva

“O exterior e o interior formam uma dialética de esquartejamento, e a geometria evidente dessa dialética nos cega tão logo a introduzimos em âmbitos metafóricos”. (215)

Barigui, Curitiba, 2010
Foto Aline Negra Silva
Gaston Bachelard discute neste texto, através da poesia a existência de um possível local onde o Ser reside. Analisa o interior e o exterior dessa possível “morada” introduzindo a forma dicotômica e geométrica empregada pelos filósofos (ser ou não-ser), mais intensamente pelos metafísicos que metaforicamente espacializam o pensamento (espaço aberto ou fechado) e pela psicologia que analisa detalhadamente as possibilidades ontológicas.

Ao citar o filósofo Jean Hyppolite acrescenta a formação do mito em torno da concepção do exterior e do interior se apropriando do campo da imaginação e da expressão. Para Bachelard tanto os filósofos quanto os metafísicos têm a necessidade de fixar um Ser, de concretizá-lo, de igualar o ser do homem com o ser do mundo determinando através dos advérbios de lugar: estar e aí. A pergunta é: onde está o peso maior do estar-aí? O advérbio aí remete a lugar, mas não traz a referência do Ser. No entanto o estar que seria o Ser não tem referência de lugar, ou melhor, de espaço. “Seja como for, um dos termos sempre enfraquece o outro.” (217) Por vezes a utilização do estar-aí define o “Ser íntimo num lugar exteriorizado.” (217)

Ao refletir sobre estas denominações adverbiais Bachelard deduz que fechado no Ser a uma necessidade de sair dele e fora dele é preciso voltar. Como num circuito, num retorno, ou melhor, como numa espiral o Ser do homem nunca atingirá seu centro, sempre será desfixado, sem espaço definido. E para que isso se torne claro Bachelard exemplifica com o reino da imaginação do poeta que tem a necessidade de expressar um Ser diferente do filósofo e do metafísico.

A psicologia e a metafísica mesmo estudando o Ser não saberão exatamente dizer o que é o Ser e onde ele está. “O ser não se vê. Talvez se escute. O ser não se desenha. Não está cercado pelo nada. Nunca estamos certos de encontrá-lo ou de reencontrá-lo sólido ao aproximarmo-nos de um centro de ser”. (218)

O poeta tem o domínio da língua e aproveita a mobilidade da mesma. Desta reflexão Bachelard apresenta prisões encontradas no interior e no exterior e seus limites constituídos de barreiras apresentados por grandes poetas. O poeta convida às “sutilezas da experiência da intimidade, às ‘escapadas’ da imaginação.” (219) O metafísico embute termos associativos como interior concreto e vasto exterior que, segundo Bachelard, recebem de maneira desigual essas associações qualitativas (concreto e vasto). Todavia quando o interior e o exterior são vividos pela imaginação a forma geométrica empregada a dialética do exterior e do interior multiplica-se em diversas matizes.

Ao citar o poeta Henri Michaux para concretizar uma possível “matiz de ser” (219) apresenta um “Horrível interior-exterior”, no qual este ser inacabável, não tem um local exato, não é nada. “O exterior e o interior são ambos íntimos; estão sempre prontos a inverter-se, a trocar sua hostilidade.” (221) O estar-aí “vacila e treme”, o espaço íntimo perde toda concretude e o exterior perde o vazio.

Mesmo o filósofo utilizando-se de recursos para “entrar em si” e situar sua existência, a imagem criada pelo poeta desfigura os recursos empregados pelo pensador. Essa fuga para o interior é considerada por Bachelard como uma prisão, como citada anteriormente, um “horrível espaço exterior-interior”. (221) O filósofo incorpora a angústia antes que a imagem ative o cerne do ser, numa tentativa de localizar manifestações de sua causalidade. Já o metafísico nasce do nível da imagem, que pertubam as noções de espacialidade “capaz de reduzir as perturbações e de devolver o espírito à sua posição de indiferença diante de um espaço que não tem dramas a localizar.” (222). Entretanto o poeta, para Bachelard, produz imagem exagerada que escapa aos hábitos da redução. A dialética construída entre “redução reflexiva” (em termos psicanalíticos para examinar, experimentar) opõe-se a “imaginação pura” empregada por Henri Michaux quando revela sua “fobia do espaço interior, como se as lonjuras hostis já fossem opressivas na pequenina célula que é um espaço íntimo.” (222).

O poeta não reduz o Ser, amplia-o ao extremo de sua imagem. “Os exageros de imagens são aliás tão naturais que, apesar de toda a originalidade de um poeta, não é raro encontrar em um outro poeta o mesmo impulso” (223). Ao observar também este impulso em outro poeta (Jules Superville) Bachelard conclui que “justapõe a claustrofobia e a agorafobia” (223) quando na sua escrita demonstra que a prisão está no exterior (224). Ao analisar o campo da atividade da linguagem livre no seu campo expressivo, Bachelard orienta a “controlar o emprego de metáforas fossilizadas”, para que estas não sejam gratuitas. Ou seja, é preciso devolver cada metáfora ao “seu ser de superfície, fazê-la remontar do hábito de expressão à atualidade de expressão” (224). A imagem criada do ser pelo poeta permite explorar o ser do homem como o ser de uma superfície que separa a região do mesmo e a região do outro. Que, transformado em linguagem traz a dialética do fechado (sentido) e do aberto (expressão poética), que na superfície deste ser ora quer se manifestar ora quer se ocultar tão frequentemente que Bachelard conclui uma fórmula; “o homem é o ser entreaberto” (225).

O poeta não recua diante dos encaixamentos feitos pelo homem racional, ele vive conforme Bachelard, a inversão das dimensões, a reviravolta da perspectiva do interior e do exterior. A importância da imagem para qualificar a imaginação torna-se claro quando Bachelard problematiza-a. Designa a imaginação e ao produto criado (imagem) como um recurso de solução em resposta ao reducionismo construído em torno do Ser filosófico, metafísico e psicológico, uma vez que “para vivê-lo na realidade das imagens, parece necessário ser incessantemente contemporâneo de uma osmose entre o espaço íntimo e o espaço indeterminado” (232). O interior e o exterior aqui são mote para discussões, que “o ser que medita seja livre no seu pensamento” (233), seja livre de expressões.







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